À descoberta dos trilhos nos Alpes

O trailrunning veio mostrar-me uma outra visão de conhecer e viver a herança paisagística do nosso país. E depois de um ano nestas aventuras de corrida pelas montanhas decidi “perder a cabeça” e experimentar uma prova pelos trilhos da suíça, um pais que gosto muito pelas suas paisagens mágicas de montanhas e lagos. Inscrevi-me então no Swiss Iron Trail na prova mais curta por desconhecimento de como seria a dureza de uma prova nestes locais e para estar mais segura da minha capacidade física em distâncias que estou mais habituada a percorrer.

Saio de Portugal quinta de manhã e chego a Genève à hora do almoço, apanho o comboio onde viajo cerca de 2h e 30 min até à estação onde estava a minha boleia. Na sexta deixo a região de Araau em direcção a Arosa, onde passado 3horas de caminho com cerca de 200km e ainda me esperava 5km com as malditas 365 curvas aos “s” até ao topo da civilização, chegando ao local percebo que é a ultima região da montanha onde as estradas e caminhos terminam. Lugar onde tudo termina! Aproveito e fico a preparar todo o material da guerreira e quem sabe conseguir aproveitar alguns momentos para descansar e dormir.

Sábado hora e meia antes do começo da prova fui levantar o meu dorsal para dar inicio a esta aventura pelos Alpes. Fiquei com o nº5055 que me identificava como atleta da prova D21, uma prova em linha que liga as regiões de Arosa – Medergen – Strelapass – Davos. Meia hora antes da partida os atletas que na sua maioria eram suíços começam a formar uma mancha de pessoas à volta do pórtico de partida. Foi me dito que a prova iria estar marcada com bandeiras cor-de-laranja espetadas no chão com símbolo do patrocinador (Migros) e o respectivo nome da prova.

Mas nos momentos anteriores à prova o corpo começa a ficar um pouco nervoso, onde sinto o ritmo cardíaco mais forte e algumas borboletas a espalharem-se por mim acima. É tudo tão diferente daquilo a que estou habituada a ver e a sentir quando estou em prova no meu país, por vermos sempre alguma cara habitual ou um colega de equipa que nos dá conforto com a sua presença e a promessa de nos encontrar-mos depois da meta. Apesar de ter metido conversa com alguns atletas, na sua grande maioria não falavam nem francês nem inglês, onde foi um super desafio perguntar alguns detalhes sobre a prova. Às 10:30 (CH) é dada a partida ao som do apito e das palmas de alguns familiares que davam apoio e eis que tudo o que antes sentia dissipou pois o foco passou a ser na prova, nas marcações e no meu bem-estar. Saímos de Arosa com cerca de 9º estávamos a +1742m e lá fui eu conquistar o primeiro objectivo, chegar a Madergen. Até lá aguardavam me algumas subidas e tímidas descidas até ao 1º abastecimento aos 11km em Jatz.

Quando arranco denoto que existem comportamentos de corrida diferentes dos que estou habituada, pois mesmo os que iam mais rápidos iam no dito 1º grupo de atletas ao qual eu fiquei super feliz por ter acompanhado o grupo durante uns bons quilómetros. Curioso como eles gerem o esforço dos quilómetros iniciais de modo diferente ao que verifico em PT, porque tínhamos que nos lembrar que o grande desafio viria ao 14ºkm e até lá ainda tínhamos muita sola para gastar.

Ao 3º km começo a sentir um desconforto no meu estômago pela altitude que se ia fazendo sentir e por questões de saúde. Então fui hidratando o corpo em pequenas porções e comendo com maior regularidade a que normalmente estou acostumada para sentir o sistema digestivo mais confortável. Por volta 5º km sinto o meu corpo mais tranquilo, mais leve e bem disposto, tinha então o cenário perfeito para começar a puxar um pouco mais por mim e aumentar o meu ritmo de corrida. O trilho até então era composto pelos desenhos que as imensas raízes faziam no solo, parece simples e ligeiro mas prega partidas a quem vai de cabeça no ar. Senti que com o passo bem certo e ritmado tipo relógio suíço, custava menos a subir e e sentia menos a irregularidade do piso e jamais me podia esquecer que tinha que manter em constante movimento para não sentir a humidade fria que o corpo sente no meio da montanha.

Finalmente chego ao 1º abastecimento, onde fico radiante por ter conquistado mais um pequeno passo. Aqui fico a descansar um pouco as pernas e aceito a oferta de uma sopa bem quentinha que me acalentou o corpo, a alma e a alegria interior que levava. Dois minutos de pausa e já estava pronta para o próximo desafio sem saber a sua magnitude. Caminhei forte a subida durante cerca de 2km, quando levanto o olhar em direcção ao horizonte e vejo um longo caminho branco a rodear a montanha verdejante com alguns apontamentos de nevoeiro no topo fiquei azul só de pensar e tentar perceber qual o caminho. Comentei com um atleta que ia ao meu lado “Oh god, Are we going to climb to that way to the top?” ao que ele responde “oh Yeah, it will be crazy the way to the top top of that mountain!” Nenhuma palavra consegui arranjar para poder expressar e processar o que estava a pensar quando olhei para o panorama geral da minha aventura nos próximos km. Eu só via montanha a perder de vista e pensava se teria força muscular para aguentar aquela subida a acumular mais +700m até ao topo onde íamos atingir os +2374m em cerca de 3km e por aqui já se fazia sentir os 4º de temperatura no corpo. Depois de muita dedicação e concentração numa passada ritmada para continuar a aquecer o corpo lá chego ao ponto mais alto da prova à região do Strelapass uma estância de desportos de inverno, onde se vê o teleférico para passar e descer a montanha para o outro lado.

A partir daqui faltavam cerca de 5km até ao final da prova. Considero que estes últimos km foram os mais desgastantes a nível físico por ser 5km sempre a descer até à meta. Respirei bem fundo 3 vezes e ganhei coragem para continuar e prometer a mim mesma que só iria parar no pórtico de chegada em Davos. Para mim, que ando à pouco tempo nestas andanças foi muito duro descidas com tanta inclinação e às voltinhas tipo “s”. Ao longe vou ouvindo os barulhos característicos do local de chegada e vou ganhando alento para aguentar aqueles longos e indetermináveis minutos finais. Quando vejo ao longe a passadeira vermelha e oiço o speaker a falar “Andreia Sousa” from Portugal, sinto algo que se apodera de mim e me enche de orgulho e me diz que já está a meta cumprida. Levanto os braços e digo para mim, boa já chegamos bem, felizes e realizadas num total de 4h de prova.

Por vezes gostamos de avaliar as nossas provas muito por baixo das que existem em países vizinhos, mas sinto que a realidade é outra. Desde termos preços de provas bem mais acessíveis com prémios de participação com mais valor e t-shirts na inscrição. Abastecimentos repletos de comida e fruta variada, porque somos um pais produtor de fruta ou o acesso a esta é mais fácil. Deixo só a minha tristeza em acharem menos importante provas de poucos km onde se sente que o envolvimento de todos em geral é bem menor. Tudo uma questão de cultura! Cultura desportiva, cultura do país!

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