A Freita é… A FREITA – Parte 2
No inicio desta infame subida, a quem chamam de Besta, esta até parece que vai ser domada, mas aos poucos a escalada (literalmente) vai cansando, a água que vai escorrendo e tornando escorregadia a pedra não ajuda. Vou seguindo na cola de outros atletas e fazendo pequenas paragens pois o cansaço faz acelerar o ritmo cardíaco facilmente. Chegado ao topo resolvo comer uma barra sentado no posto dos GOBS que ali se encontra. Parto e vou a tempo de apanhar o grupo com quem seguia, antes da descida para Manhouce. Ali chego já de noite à luz do frontal, que a meio da Besta enfiei sem querer numa poça quando tirei o boné para me molhar. Este frontal é mesmo dos bons!
Neste abastecimento resolvo beber chá quente um café e comer chocolate. Quando saio para o trilho, de novo sozinho, sinto o estômago embrulhado e má disposição. Quando começo a subir começo a sentir vómitos e acabo por deixar o café e o chocolate. Mas sigo melhor. A subida não é muito longa e a ela segue-se uma descida muito traiçoeira e técnica até ao rio. Aqui junta-se a mim aquele que vai ser o meu companheiro até ao fim da jornada o Nuno Silva, que seguia quase sem luz no seu frontal.
A progressão faz-se cada vez mais lenta estou a sentir o cansaço a acumular-se, mas sigo focado no próximo objectivo: Lomba e a sopa no abastecimento.
Quase a chegar ao Rio vejo uma aldeia na encosta em frente com uma cruz iluminada de azul. Será Lomba? Será que agora vai ser só subir uma escadaria e estamos no abastecimento? Como é apanágio do trail não pode ser assim tão fácil e na Freita esta palavra não existe.
Começamos a contornar a aldeia sempre junto ao rio. Talvez do outro lado haja outra aldeia. Mas nada. Apenas serra e escuridão. Quando subitamente à nossa direita surge o primeiro degrau. Vai começar a escadaria infernal, serão 800 degraus de vários tamanhos e feitios quase sempre com água a escorrer por eles, entre muros e lajes de xisto. Uma zona fantástica mas ao mesmo tempo arrepiante de fazer à noite. Vamos subindo usando a força das pernas e dos braços. Aos poucos vou percebendo que os terrenos que nos rodeiam começam a estar cultivados. Lomba já não pode estar longe.
Entro na aldeia e apesar da estrada permitir correr a vontade é nula. Sigo a passo até ao abastecimento onde, primeiro que tudo, encho os cantis como tenho feito constantemente em todos para não falhar e sair com falta de líquidos. Ali está o Hélder de novo que me anima dizendo que eu venho bem e me explica o que está para a frente. Sento-me e como uma canjinha que é só o que me apetece. Olho em frente e que vejo na outra extremidade da aldeia!? A cruz azul. Tinha que ser!
Como o meu caldinho, coloco os manguitos nos braços, puxo o corta-vento para um dos bolsos laterais da mochila e preparo-me para partir. O Nuno fica a mudar as pilhas no frontal.
Assim que me afasto do abastecimento começo a tremer com frio e sinto-me mal disposto. Ainda nem me tinha afastado 100m e começo a vomitar violentamente. Desta vez sai tudo. Sinto mesmo que o estômago ficou completamente vazio. Como se me tivessem drenado todas as forças. Penso em voltar atrás e tentar comer de novo mas não me parece que vá conseguir comer algo sólido ou nova sopa agora.
Saio da aldeia e entro na subida a pique. Uma espécie de degraus feitos de lâminas de xisto. Cada vez que dava um passo e fazia força para subir as pernas tremiam sem força. Começo a questionar-me como vou conseguir chegar ao topo da serra (tinha 1000m de desnível a vencer nos próximos quilómetros). O que posso fazer para recuperar o meu estômago e as forças? Entre os alimentos que tenho na mochila levo cápsulas de mel e ainda tinha uma. Sento-me numa pedra, tomo uma saqueta de mel para tentar acalmar o estômago e vejo o nascer de uma lua amarela lindíssima. Estes pormenores animam-me e desviam a minha mente das dificuldades. Mais a baixo já vejo o frontal do Nuno e aguardo que ele chegue.
Com companhia volto a iniciar a marcha. A subida abranda um pouco a inclinação e aproveito para comer uma pasta de fruta, o estômago aguenta. Vou sentindo alguma fraqueza e começa a vir algum sono também. Resolvo puxar de uma das minhas armas secretas: comprimidos de guaraná naturais. Como tenho o estômago praticamente vazio sinto o efeito quase imediatamente. Desperto e recupero alguma força. Mesmo assim até ao topo paro mais 2 vezes. Aproveito sempre para desligar o frontal e admirar a vista noturna escutando os sons da Serra que me abraça.
Terminada a subida vamos conseguindo variar caminhada com corrida. Nas zonas mais técnicas sigo à frente, nas zonas mais corríveis é o Nuno que impõe o ritmo. Assim, chego ao Parque de Campismo do Merujal muito mais tranquilo. De novo encontro o Hélder (já no último UTAX ele acompanhou parte da minha prova e acabou por ser um óptimo apoio) que vai acompanhando a Ana que vem pouco atrás. Neste momento não me apetece comer nada do que há ali mas aproveito para repôr sais com Dyoralite para evitar uma quebra e desidratação maior.
Normalmente quando chego a esta fase das provas só me apetece comer comida a sério e já estou enjoado de doces e géis. Desta vez é diferente os géis e pastas doces ainda entram. Comida não.
Mas saio do abastecimento a sentir-me melhor e assumo as despesas do que falta na prova. Vou sempre puxando pelo Nuno e por outros atletas que se vão juntando a nós momentaneamente. O ritmo é bom a percorrer o que falta do planalto da Freita e entra-se na descida. Primeiro por uma zona mais técnica, depois por uma zona que já tínhamos feito na subida inicial, depois com algumas variantes que me deixam a questionar quanto falta para o fim. Com o aproximar da meta retomamos o percurso inicial e vou olhando para o relógio. Abaixo das 23h ainda é possível. Vou incentivando o Nuno para conseguirmos chegar juntos e ainda dentro desta hora. O dia já nasceu, Arouca está ali e a ansiedade da chegada é enorme. Recta da meta, um último esforço. Já não consigo tirar o sorriso da cara. Estou muito contente por estar ali e para mais superando o objectivo inicial.
Passo a meta em êxtase! Todo o meu corpo repleto de endorfinas e felicidade. A menina que me entrega o prémio de finisher foi a mesma que me apoiou no primeiro abastecimento, isto demonstra muito a dedicação que esta organização coloca na prova. Por ali está também o Director da prova, José Moutinho, incansável no apoio aos atletas.
A Freita desta vez foi generosa para mim!
Quero dedicar esta prova e este meu empeno a duas Amigas Lutadoras que são um exemplo de superação nas suas lutas pessoais do dia a dia e de quem me lembro muitas vezes quando as dificuldades aumentam: a Sandra Pedro e a Joana Silva. Vocês são um exemplo de superação.
Agradeço o apoio da minha Família dos meus amigos, especialmente aqueles que ao longo destas 22 horas e 52 minutos me acompanharam e contactaram para dar força, da Ana Duarte que vai-me ajudando a preparar para chegar a estes empenos no melhor de mim, ao Dr. Ruy Yang que me ajuda a manter as mazelas controladas para poder continuar a fazer o que me faz feliz. Por último, ao projecto de que muito me orgulho de vestir a camisola e cruzar a meta com as suas cores, à Dolce Furadouro e aos seus patrocinadores.
Agora hora de recuperar e voltar ao trabalho pois o Buff Epic está ai à porta.
Podem ler a primeira parte deste artigo aqui.